19 de dez. de 2010

Dois homens, aparentando trinta e poucos, mais ou menos:


- Cê parece que anda engordando, índio véio...

- É...

- Tá engordando mesmo?

- Sabe comé, né... o pasto lá é bão...






É por isso que amo a feira livre aos domingos, embora ame-a às quintas-feiras, também.

23 de nov. de 2010

Somadas e multiplicadas através das reflexões, as idéias, com acento e nem sempre saudáveis, permanecem incessantes. Durante a silenciosamente perigosa dança da imaginação, penso em prazeres que não deveriam existir para que eu pudesse sabê-los objetos inúteis e por isso imunes à absurdez das paranóias particulares.


































Banhos muito quentes, por exemplo.

11 de out. de 2010

Pausa

O movimento circular, ainda que aparentemente inútil, não deixa de ser movimento. Ação e reação; antídoto para quem teme o retorno à paralisia.
Às vezes é como a continuação de um péssimo filme nada tedioso.
Aprendi hoje, com meu jardim: a vigilância não basta; para ter controle sobre o que é nocivo ou inútil onde ainda há raízes, preciso podar.

15 de set. de 2010

18 de jun. de 2010

Primeira Impressão

Escrito por mim e publicado no meu antigo blog, Rango na Madrugada, em 29 de novembro de 2005, logo depois do primeiro contato com um dos livros daquele com quem descobri um novo amar.



VÍRGULA

Ele fala vírgula Ela responde vírgula Surge então um pensamento dele vírgula O narrador interrompe vírgula ambos dão início à ação vírgula Ele fala novamente vírgula Ela pensa em falar, mas não fala vírgula O narrador conclui a frase ponto final

Assim, em meio às vírgulas que separam diálogos, idéias, pensamentos e atos, me vejo imersa pela primeira vez no universo de Saramago. A Língua Portuguesa de Portugal é encantadora, a narrativa é genial, mas a ousadia das vírgulas me encantou. Elas imprimem ritmo ao texto, aguçam minha curiosidade, tornam a leitura instigante e a viagem ainda mais prazerosa.
A vírgula, encantador elemento sintático que poucos sabem usar e muitos acreditam ser uma simples indicação de pausa, pode mudar o sentido de uma frase, de uma oração, de toda uma narrativa. Por muitos é usada com parcimônia, mas baila com inteligência e sabedoria pelo livro Ensaio Sobre a Cegueira, de Saramago.
A vírgula enfatiza, prepara, ameniza, separa. E talvez agora exprima a distância que existe entre mim e você, que está a ler este breve devaneio; apenas uma vírgula.




Entre tantos outros marcos, parte significativa da minha vida pode ser dividida em antes e depois dele.
Obrigada, José Saramago.

26 de mai. de 2010

Palavra de livro (sublinhamento)

Segue o teu destino,
Rega a tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.

A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios.

Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
como ex-voto aos deuses.

Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos Deuses.

Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.



Ricardo Reis, 1-7-1916

16 de mai. de 2010

Escrevi um conto para a Revista Cultural Novitas e eles cometeram a insanidade de publicar.
Apesar disso, a revista é muito boa e pode ser lida aqui.

11 de mai. de 2010

Fratura Exposta

Um erro conduz a outro erro e este, inevitavelmente, conduz a uma infinita cadeia crescente, repleta de erros sem fim.
Trabalho como quem suporta o peso de muitas pedras sobre a fragilidade do dorso; também por isso preciso habituar-me ao erro. Para correr riscos e acumular oportunidades conquistadas preciso estar disposta a assimilar o convívio com os erros que, à maneira de todas as outras sombras e aflições, encontrarei pelo caminho que desejo longo e pedregoso.
Seria fácil conviver com os erros se eles não fossem julgados; se eu não fosse julgada a partir deles. Seria simples se os incapazes de correr os riscos e os infelizes não estivessem à espreita, aguardando o anúncio de mais um erro para descarregar em mim as frustrações que mantêm em suas armas sempre engatilhadas. Sou um alvo dócil, quase receptivo. Talvez errar fosse mais fácil se eu não me soubesse tanto, se não conhecesse cada uma das dores de estar em mim. Sei, por exemplo, que não sou uma ilha. E saber-me percebida de modo equivocado é uma das maneiras mais fáceis de paralisar.
Mesmo que Sartre tenha razão e sejam eles o inferno, não há outra fuga que não a arte. Não há em mim outro caminho possível além das palavras e do movimento. Logo eles, tão singulares, meios em que não existem probabilidades matemáticas que subtraiam os riscos da incompreensão.
Aprendi, durante os últimos trinta anos, alguma coisa sobre [falta de] talento e idiossincrasias. Aprendi também sobre o trabalho e a persistência. Sobre amor e dedicação. Sobre a alegria da dedicação quando há amor ao trabalho.
Talvez consiga dedicar os próximos trinta a correr riscos enquanto, em vão, procuro compreender a multiplicidade dos erros sem explicação, que são todos. Errando mais, talvez aprenda a me divertir com eles, depois que a tristeza – inevitável – passar.

7 de mai. de 2010

Biblioteca: Primeira Estação



Os livros dedicados à dança me afligem porque quase todos os que li me decepcionaram. O fato de alguns livros tratarem de assuntos extra-literários não os dispensa de serem escritos para que o leitor encontre também nas palavras e na forma do texto, e não só em seu conteúdo, algum prazer.
Com Primeira Estação vivi uma experiência diferente de todas as anteriores.
Confesso que, a princípio, o livro me assustou a ponto de parecer repulsivo. Durante alguns meses o vi como mais um livro belíssimo para ser deixado na estante, para ser usado em consultas esporádicas ou como fonte de inspiração. Senti muito medo do que encontraria nas páginas absurdamente lindas e bem encadernadas em que textos intercalam-se com imagens divinas dos espetáculos da São Paulo Companhia de Dança.
Vencida pela combinação irresistível entre tempo e curiosidade, decidi me dedicar à leitura, há um ou dois meses. Se os textos fossem ruins, teria o consolo das imagens que poderia admirar, com as quais poderia me entreter durante horas.
No índice, a primeira surpresa: Modesto Carone, também conhecido como “O” tradutor do meu amado Franz Kafka, é autor de um dos ensaios que compõem o livro. Livro esse que, para minha satisfação e deleite, além de ser um dos mais bonitos que habitam a minha estante – preciso escrever mil vezes que a edição é primorosa – é um passeio saborosíssimo por universos paralelos que, por motivos diversos, convergiram nas irresistíveis páginas que devorei em apenas dois dias.
Primeira Estação, como diz o subtítulo, reúne ensaios sobre a São Paulo Companhia de Dança. Os autores dos ensaios observaram a Companhia sob ângulos diversos, desde a concepção da Companhia e os testes com bailarinos até a estréia e os espetáculos que a seguem, e o resultado, irretocável, não poderia ser melhor.
O fato de nem todos os autores serem bailarinos ou “pessoas do palco” dá ao livro um tempero diferente – embora os textos dos artistas da dança não sejam menos brilhantes do que os dos autores não-dançantes. O livro é para ser lido por quem deseja conhecer o princípio da história de uma companhia recém-nascida ou para quem deseja aprimorar o olhar sobre a arte que dizem ser pouco valorizada em nosso país. A diversidade entre os autores que observam e descrevem o dançar é o que torna os textos de que é composto o livro, que poderia ser apenas belo, mais atraentes.
O leitor de Primeira Estação pode não conhecer nenhum balé de repertório e nem sequer saber em que consiste um plié, mas, se não terminar o livro transformado – como provavelmente acontece com os que, como eu, são, por ofício, dançantes - , certamente guardará a experiência enriquecedora para, quando solicitado, lançar sobre a dança – ou qualquer outra manifestação do corpo – um olhar mais apurado e generoso; de quem, no decorrer de algumas páginas, conheceu parte do que a dança tem de melhor.


Primeira Estação: Ensaios Sobre a São Paulo Companhia de Dança - edição bilíngüe (português/inglês); Inês Bogéa (Org.) - 336 páginas - Imprensa Oficial

6 de mai. de 2010

Então...

"DÉA é o crescendo de um beijo. PAULI boa sequência. NO denota certo desinteresse - se não for esse o sentimento, sugiro emendar nova palavra."

Parte da divertida Beijologia, por Michel Melamed.

Sobre a separação dos corpos

A desordem que excede os poucos caracteres avança pelas páginas em branco e assim permanece. As palavras agora encontraram o vinho, flertam com o corpo, a divindade e as sensações de Baco, mas continuam em busca da coerência e da concisão. Embriagamo-nos e sorrimos, mas não nos compreendemos. Incapaz de enxergar através delas, sinto-me opaca e densa, intransponível. Incompleta, já não espelho. Demasiadamente tristes, também a elas falta coragem para entreolharem-se quando libertas das mãos frias, quase mortas, que um dia consistiram a sólida ponte sobre o abismo de que somos margens complementares. Seres distintos em existências equivocadamente aproximadas, frouxidão de nós. Amores não correspondidos e, por isso, inadequados. Páginas e esforços em vão. Os dias e suas horas mal empregados em encontros estéreis. Investimentos esperançosos em signos e símbolos frágeis, condenados ao fracasso outonal.
Cientes da inutilidade mútua seremos livres, talvez.

19 de abr. de 2010

Brevidade

Atraídos, talvez, pelo desafio, seguimos adiante. Nos tornamos um daqueles que frequentemente são vistos às gargalhadas ou flagrados em pequenos gestos de carinho ocultamente explicitados. Nos tornamos o silêncio daqueles que, sendo corpo, poupam as palavras ao comunicarem-se pelo movimento. Tornamo-nos o inesperado e improvável deliciosamente não-eterno. Somos a repetição do hoje. A celebração do presente sempre tão raro. Nos tornamos observadores distantes da malcheirosa montanha soterradora composta por todos os inúmeros clichês. Somos um mundo a ser descoberto. Um mundo à parte dos nossos distantes universos paralelos. Porque somos claridade, lemo-nos em braile pelo prazer de tocar a pele. Nos tornamos tempo de experimentação e descobertas. Templo profano. Base de um grande edifício sujeito a implosão. Nos tornamos cúmplices e carrascos. Sabemos que o amor foi visto caminhando sobre o impossível e que, como nós, se der um passo em falso, ele pode não sobreviver.

28 de mar. de 2010

Sereia

Piracemando multiplicavam-se entre as distantes margens do límpido rio fartamente iluminado mesmo nas mais nubladas estações. Porque eram peixes, nadavam. Acardumavam-se de acordo com as afinidades pela biologia explicáveis e aceitavam em seus cardumes outros não-afins talvez explicados pela sempre misteriosa natureza.
Porque nadavam, sobreviviam. Venciam em pequenos ou grandes grupos os não raros trechos de águas caudalosas. Fugiam do perigo das iscas e da ameaçadora facilidade das grandes redes; em dias chuvosos, refocilavam. Das espinhas às escamas, guelras e nadadeiras, eram plural felicidade. Ainda assim, alguns deles, frequentemente deslumbrados, acreditando ousar, se desgarravam.
Debatendo-se em uma quase-poça, restante da última cheia, Sereia foi encontrada pelos pescadores com a cabeça ainda imersa nas águas turvas que seus inexpressivos olhos de peixe tomavam como profundidade. Foi levada, louvada, lavada e limpa. Em postas, jaz despedaçada, já fria e assada, sobre a amanhecida mesa do jantar.

18 de mar. de 2010

A felicidade não é assunto porque não tem cor. Felicidade não sangra.

27 de fev. de 2010

Espiral

A Vida:
Os excessos contidos, a criatividade, as limitações e a liberdade. A força e a alegria inesperada. O ócio. Sorrisos e lágrimas.
As pessoas, o mundo. As pessoas do mundo. Paralelas. Em estradas de mão única; bifurcação.
Paixão, júbilo e nascimento. Arte, amor e morte. Amém.
A Vida: esse delicioso amontoado de clichês.

7 de fev. de 2010

Biblioteca: Janeiro de 2010

Aviso:
Os textos que seguem não têm a pretensão de serem críticas ou resenhas. São apenas impressões de quem está habituada a declarar (des)amor aos livros.



Cal, que é um livro que reúne contos, poemas e uma peça, foi meu primeiro contato com a literatura produzida por José Luís Peixoto. Gosto de quem gosta das palavras; por isso, já nas primeiras páginas, sabia que terminaria o livro apaixonada.
Tanto a poesia quanto a prosa, que é também poética, de José Luís, encantam pela simplicidade. O autor brinca com as palavras e com o tempo, exigindo, assim, a atenção do leitor. Não é difícil mantermo-nos atentos aos temas deliciosamente humanos abordados por José Luís - cada um dos textos, mesmo os mais curtos, abre-se diante de nós como um infinito de possibilidades e recordações.
Tudo indica que José Luís Peixoto seja um daqueles cada vez mais raros autores capazes de tocar-nos a alma, ou a essência. É inevitável pensar que em cada uma daquelas linhas também nós vivemos, que todas as histórias têm, inevitavelmente, um pouco de nós.
Um bom espelho, que mostre, além da realidade, parte do passado, é muito - senão tudo - do que podemos esperar de um bom autor.

Cal; José Luís Peixoto - 264 páginas - Bertrand Portugal



O Livro da Dança é um livro de poemas escritos por Gonçalo M. Tavares, autor de quem serei eterna admiradora; que escreveu também o livro de poemas “ 1”, onde está o “Livro dos Ossos”, que é uma série de poemas que me levaram às lágrimas durante a primeira leitura e que me emociona a cada reencontro. Por isso encontrei o livro sabendo que a poesia de Gonçalo M. Tavares, como a de todos os bons poetas, não perde a validade.
Um amigo havia dito que o Livro da Dança é, talvez, o livro mais hermético escrito pelo autor. Depois de ter lido o livro, não só discordo como acredito que seja precisamente o contrário.
Para as pessoas que não dançam, que não vivem a dança como profissão e não têm ou terão a experiência de se expressarem pelo movimento e/ou sobre o palco, o livro trata, sim, da metáfora dos movimentos da vida, da dança da existência através da qual podemos esconder-nos e selecionar o que queremos transmitir ou revelar. Já aqueles que, como eu, vivem a dança, da dança e para a dança, deveriam firmar consigo o compromisso de, vez por outra, retornar a cada um dos poemas para encontrar neles as muitas razões pelas quais escolhemos a arte – ou a arte nos escolheu.
O Livro da Dança poderia ser também o Livro do Corpo ou do Movimento, porque o autor compreende-os – corpo e movimento – como poucos. Ler os poemas que o compõem é pensar a vida em movimento e o corpo como centro e propagador de sensações. Gonçalo M. Tavares faz poesia para ser posta em prática, para reverberar.
Vale dizer que a edição brasileira do Livro da Dança é belíssima e (ainda bem!) preserva a ortografia portuguesa. Livro com sotaque é sempre mais interessante.

Livro da Dança; Gonçalo M. Tavares - 120 páginas - Editora da Casa



O Fio das Missangas é Mia Couto em doses homeopáticas e, embora não tenha sido o modo pelo qual encontrei o autor, talvez seja uma boa maneira de conhecê-lo.
Os contos curtos que o compõem são, todos eles, incrivelmente mágicos e, apesar de aparentemente leves, densos, como os romances escritos por Mia Couto. É impossível não nos envolvermos com o universo e com a cultura que, embora pareçam distantes, estão também arraigados no imaginário e na história de boa parte do povo brasileiro.
As missangas do fio são todas de afeto, de família, da delicadeza das relações humanas... de todos os temas e situações que nos são caros. São pedaços de existências intensas e efêmeras, mas não por isso menos valorosas ou menos poéticas. São pequenas histórias grandiosas - como, se assim o quisermos, pode ser a vida de todos nós.

O Fio das Missangas; Mia Couto - 148 páginas - Editorial Caminho (mas há também uma edição brasileira, pela Cia. das Letras)



A Perna Esquerda de Paris seguido de Roland Barthes e Robert Musil é Gonçalo M. Tavares em seu estado mais puro – e caótico. Esqueça o que diz a apresentação do livro encontrada em sites ou os trechos, disponibilizados como resenha, que fazem parecer que a paixão é o tema central do livro. O livro trata, sobretudo, das convergências e divergências entre a ordem e o caos, da linguagem com que expressamos nossos afetos, e de como refletimos nossas relações com o outro e com o mundo.
A primeira parte do livro conta, sim, sobre uma paixão, mas desdobra-se em reflexões que, se à primeira vista, parecem obscuras, não chegam a tornarem-se claras, mas ampliam-se e desdobram-se em “tópicos” na segunda parte do livro, que, a princípio, intriga pela forma. Roland Barthes e Robert Musil são escritos (descritos?) não como uma narrativa, mas em pequenos tópicos inseridos em tabelas que inevitavelmente dialogam com a primeira parte do livro.
A Perna Esquerda de Paris seguido de Roland Barthes e Robert Musil é um livro para ser lido em três ou quatro horas, mas precisaria de outra vida para digeri-lo ou compreender metade do seu significado. Terminei-o desejando conhecer Roland Barthes e Robert Musil, que sob a ótica de Gonçalo M. Tavares parecem mesmo interessantíssimos. Começarei por Barthes, com quem imagino que terei mais afinidades, mas “O Homem sem Qualidades”, de Musil, já está na lista dos livros pelos quais desejo ser alcançada.

A Perna Esquerda de Paris seguido de Roland Barthes e Robert Musil; Gonçalo M. Tavares - 172 páginas - Relógio d'Água



É uma pena, mas o livro Dança Universal, assinado por Sérgio Rodrigo Reis, é um dos piores livros que li em toda a minha vida.
A edição da Imprensa Oficial torna o pequeno livro muito atraente. As muitas fotos que ilustram algumas páginas são bonitas, mas a escrita não convence.
Conheço a história do Grupo Corpo e por isso posso afirmar: o livro poderia ser interessante – mas não é. Falta inspiração.
Tive a impressão de estar lendo anotações escritas às pressas para serem transformadas em emoção ao serem transferidas para um diário que não existe. Em princípio, pensei que poderia se rabugice, ou o hábito de ler as biografias tão bem escritas pelo Ruy Castro, mas não era. A escrita do livro é mal cuidada, tem erros grotescos de revisão, como um capítulo intitulado “Porque (sic.) Minas?”.
Se a intenção da Coleção Aplauso é documentar a arte brasileira, penso que deveria fazê-lo por meio de uma escrita atraente, para que também a arte fosse engrandecida e valorizada a partir de tais documentos. O Grupo Corpo e a bibliografia da dança mereciam um retrato melhor executado – ou que, pelo menos, não os fizessem parecer menores.

Dança Universal - Rodrigo Pederneiras e o Grupo Corpo; Sérgio Rodrigo Reis - 212 páginas - Imprensa Oficial

18 de jan. de 2010

Sobre Paredes e Pedras

Observo atônita a parede azul que agoniza. Ainda ontem as paredes azuis eram, todas elas, a parede diante da qual velamos o corpo da minha mãe.
Há paredes que não suportam o peso das horas que passam cada vez mais rápidas pelo relógio de frios ponteiros metálicos. As paredes distinguem universos e delimitam mundos. Mudas, as paredes testemunham e envelhecem.
Na parede azul há buracos preenchidos por pregos e imensos oceanos de ausência. Há paredes em todas as casas, entre as famílias. Dissimuladas, há paredes de aparência frágil que são intransponíveis. Algumas paredes descascam em chagas profundas e apodrecem quando banhadas pelas lágrimas da infiltração. Outras paredes, poucas e mais felizes, têm janelas por onde recebem, além do calor e da luz, a brisa dos dias teimosos que insistem em amanhecer.
No centro da mesa de jantar, antes do tilintar dos copos, ergueu-se uma parede alta. Nossa última oportunidade. Sobre o aparador, refletida no espelho, a marreta permaneceu intocada. Nenhum de nós sujou as mãos.