26 de nov. de 2011

A Erika

A Erika tem filhas, marido e uma barraca na feira - nas feiras, porque muitas feiras acontecem durante a semana, em diversos bairros da cidade.
Eu e a Erika nos vemos às terças e quintas, que são os dias em que a feira acontece perto da casa verde em que vivo feliz.
A família da Erika me distingue da minha irmã pelo sorriso. Todos eles, que trabalham juntos na barraca, sabem que eu falo [de]mais. A Erika tem muitas bolsas bonitas e caras, que comprou quando morou no Japão.
As frutas da Erika são as mais bonitas e cheirosas, são diferentes. Ela vende as maiores e mais saborosas alcachofras do mundo, mas só sob encomenda. Minha avó conhece o papaya da Erika com o olhar.
Ontem foi sexta-feira e a Erika trouxe à minha casa as frutas que não comprei na quinta. Em uma das sacolas, um bilhete:

Coloquei o inhame para você aproveitar e o pêssego e a manguinha é para você experimentar. Cortesia da casa.
Beijo

Erika

Obrigada
Deus abençoe


A Erika é morena e briga comigo, aos berros, quando vou à feira muito tarde ou quando desapareço. Ela tem longos cabelos negros e recentemente começou a usar esmaltes alegremente coloridos. Toma café às 8 e come pastéis da esquina ou pães da padaria que frequentei durante a infância. A Erika tem olhos doces e o sorriso largo. A Erika tem amor - e minha eterna admiração.




Quase acredito em um deus nas raras vezes em que a menção do pequeno nome acompanha a grandiosidade de um gesto.

18 de nov. de 2011

No mar de barcos sem flores, o céu dos céticos. Sobre o largo movimentar das ondas, imensidão.
Olhos do silêncio cego: a fuga e o afago. A força física e o vigor dos corpos que somos nós.
Nós.
Os piratas imberbes desconhecem a quaseternidade dos ossos. Ignoram o sussurrar inaudível que acalanta o coração.
Havia motivos de sobra para ficar. O calor da pele e o conforto das palavras. A leveza. A doçura e a surpresa simulada no não raro encontro com o olhar.
Havia sonhos únicos e palavras muitas. Alegria. Havia braços, pernas e mãos.
Percorreu os descaminhos com pés descalços; a passos firmes, despedidas breves.
Acariciou cada uma das paredes lentamente, como se as apreendesse com as palmas das mãos. Sorriu para o pé direto alto como se isso os assemelhasse em grandeza; como se o gesto possibilitasse a retenção da lembrança e o movimento fosse garantia de exatidão.
Dançou o espaço e perdeu-se no vento. Através das portas e janelas abertas, tornou-se ar.
Vaga dispersa e livre. Leva as chaves no bolso, mas não volta.
Entre a fugacidade dos sóis alheios, encontrou abrigo para o pulsar alegre da solidão.